Só poderia ser um complô comunista. Como assim, nossa maleta que continha apenas calçados, artigos pessoais e produtos de higiene pessoal – justamente o que se ouve ser mais difícil encontrar – desaparece ao chegar no mambembe aeroporto de Havana? Tem cheiro estranho aí, Fidel!!
Eu e Kelly nos desesperávamos; era meu primeiro caso de mala totalmente extraviada. A Copa Airlines jurava que nossa pequenina de quatro rodinhas, alça retrátil dois estágios, supermoderna e cor violeta reaparecia logo. E eu? Ora: cismava em afirmar que membros secretos do governo co-mu-nis-ta cubano já faziam uso do meu creme pós-barba L’occitane novinho.
O voo foi chato, eu estava cansado. Uma ressaca danada da festança do casório no fim de semana. Era minha lua-de-mel, pô, não é possível que ía zicar tudo. Que angústia. Informava meus dados e os detalhes da mala para a atendente da companhia aérea enquanto tentava acalmar minha recém-esposa: vai dar tudo certo, amor.
Com tudo, digo, nada resolvido deixamos a área de desembarque – do lado de fora, o ônibus para Varadero, cheio de turistas, não aguentava mais nos esperar; era partir ou ficar no aeroporto chorando pela mala derramada. Tentávamos retomar os ânimos, quando logo surgiu outra bomba: a funcionária da Cubatur vinha me explicar em alto e bom portunhol que o nosso resort em Varadero estaria em reforma (!) e que seríamos transferidos para um tal Paradisus Princesa del Mar.
Para tudo. COMO ASSIM!? Minha filha, você não tá entendendo. Eu fiquei 3 meses vasculhando TODA a internet para ter a certeza que escolheria o melhor resort para minha lua-de-mel… você não pode chegar e o trocar assim, sem me dar chances. Tá louca? Eu não ligo, quero dormir lá mesmo, em obras! Não posso ficar sem o MEU hotel e sem o MEU creme pós-barba. Que pesadelo é esse? Tenho certeza, tem dedo seu nessa história, Fidel!
Não adiantava chorar. Era pegar ou largar. O motorista ameaçava acelerar o micro-ônibus. Casais em lua-de-mel, famílias de italianos e idosos japoneses já nos olhavam agressivos. “E a mala?”, perguntei pela janela do buzão. “Vai direto pro seu novo hotel”, dizia a guia enquanto me dava adeus.
Foi assim os primeiros instantes da minha lua-de-mel.
De Havana a Varadero foram 2 horas de ônibus. Ao nosso lado, um casal de Bogotá compartilhava histórias da festa de casamento deles, que tinha sido anteontem, no mesmo dia que a nossa! O simpático cubano que acompanhava o motorista continuava respondendo perguntas do tipo “Quanto você ganha?”, “Onde pegam comida?”, “O que você acha de Che Guevara?”. Já eu só pensava no meu par de havaianas zero e minha loção pós-barba virando festa nas mãos dos agentes federais.
O ônibus ia chegando. Varadero se apresentava um território mais estreito que o Chile. Um corredor tomado por resorts.
Começava o desembarque. A cada novo anúncio “Barceló Solymar! Mercure Coralia! Meliá Sol Palmeras! Iberostar!” o nosso grupo diminuía. Tá esquisito isso. As pessoas iam educadamente se despedindo, desejando boas férias, e eu e Kelly ali, esperando o guia esbravejar “Paradisus Princesa del Mar !!!”. Não precisou. Quando o motorista encostou na recepção do nosso hotel, só havia nós dois dentro do ônibus – a última opção que sobrou; deve ser uma espelunca, pensei.
País comunista, nunca mais!
Até que tudo mudou…
Um cordialíssimo concierge nos recebe, ainda no estacionamento, perguntando se tínhamos mesmo apenas uma mala para carregar. Sim, a outra havia sido raptada pelo governo.
A recepção é enorme, opulenta. A delicada senhora do balcão nos convida a sentar num sofá chiquérrimo para o check in. Nos dá boas-vindas, congratula pela luna-de-miel (ela já sabia!) e nos oferece champagne. Nossa suíte master estaria no setor D e já poderíamos reservar os restaurantes exclusivos, incluindo uma janta no super VIP royal service Hill Top.
Mal sabia eu, mas o Paradisus é a marca top-de-linha do grupo hoteleiro Meliá.
Já passava das 4 da tarde quando, finalmente, entramos no quarto. Que maravilha! Euforia. Vamos largar tudo de qualquer jeito, colocar uma bermuda e ir ao mini-shopping do resort comprar um kit mínimo de sobrevivência (chinelos, escova de dentes e pente). No caminho, a estrutura assusta. A área da piscina é muito luxuosa. A limpeza e cordialidade impecáveis.
Jantamos a primeira noite no restaurante-padrão, estilo buffet. Tinha de tudo e mais um pouco. Bebida à volonté. Dali para a praça principal, com palco já montado. Show de rock e salsa. Garçons servem Mojito e Piña Colada sem parar. De um bar vai para o outro. Do outro para mais um. Acaba o show e por que não partir para o resto pub 24 horas: atendimento incrível, mais bebida, chopp, petiscos. Sério, sem afrancesar, era tudo tudo tudo a-la-vontê!
Nem sei como chegamos na cama aquela noite. Só sei que fomos acordados às 8:30hs da manhã com o telefone do quarto tocando. Não é possível! Depois de tudo que eu passei nos parágrafos anteriores, não acredito que estão me ligando, em plena lua-de-mel, às OITO E MEIA DA MANHÃ.
Sabe quem me incomodava do outro lado da linha? A mala.
Obrigado, Fidel! Viva Che! Viva Cuba! Eu sabia. Os comunistas sabem dividir, são solícitos. Coração.
Os próximos quatro dias se passaram num piscar de olhos. Fizemos tudo de melhor que se tem para fazer num resort caribenho 5 estrelas: nada. Acorda café praia petisco bebidinha piscina almoço relaxa praia petisco bebidinha piscina banho janta show petisco mais bebidinha dorme e começa tudo de novo. Varadero é isso. Uma joia de areia branquinha cor da neve e mar azul bebê no país mais incrível e mágico que você (ainda) não acredita que seja possível ser tão bom assim. Nunca fui tão comunista na vida. Obrigado.
Ah, Caio. Só fiquei curioso com uma coisa. Qual era o resort que você tinha reservado?
Não sei. Nem me lembro mais.
Morri de rir. Coitados!!! Pelo menos aproveitaram ne?!